quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Hagiografias de jornal

Enquanto esperava para descobrir quem sucederia a Bush, Rui Ramos, como bom historiador, foi tratando de ir escrevendo a história passada. Ou melhor, de a reescrever, ao melhor estilo estalinista. Primeiro escreve:

«1993 e 2001, Bill Clinton dera aos americanos uma das suas mais agitadas e controversas presidências (a destituição de 1998, repetidas operações militares nos Balcãs e no Iraque, a desastrosa invasão da Somália, etc.)»

Ignorando que Clinton só foi submetido a um processo de destituição por causa de um Congresso e um Senado que estava dominado por fanáticos enraivados de espuma na boca e que se agarrariam a qualquer pretexto para tentar apear o homem que lhes estragava o legado de destruição da economia. As operações nos Balcãs (e até sou parcial neste assunto) foram também responsáveis pelo fim da guerra civil na ex-Jugoslávia. A Invasão da Somália foi desastrosa, realmente, especialmente se vista perante o sucesso estrondoso da invasão do Iraque. Depois temos:

«Esta presidência [de Bush] sem grandes objectivos ou distinções naufragou no dia 11 de Setembro de 2001»

Ou seja, no dia em que conseguiu aumentar a sua popularidade a níveis estratosféricos, viu a presidência que pretendia «acalmar e reunificar» naufragar. Isto na altura em que o país mais unificado se apresentou desde... talvez Pearl Harbor. Parvoíces completas. Mais à frente vem a parte:

«nem o subprime nem a "mudança de regime" no Iraque (decidida por Clinton) começaram com Bush»

Ou seja, Clinton é que começou tudo. Clinton aparentemente decidiu a mudança de regime no Iraque (pena ter esperado até ter saído da presidência para a implementar, isto dos factos é tramado). E Clinton, supõe-se, terá iniciado a crise do subprime. Hmm, talvez não. O Fannie Mae foi criado em 1938, por isso será culpa de Roosevelt. Era convenientemente um democrata e tudo.

Estas foram as partes de reescrita. Só que ainda ali andam delírios. Aparentemente Rui Ramos também viu a esquerda (e o mundo, que se crê ser a mesma coisa naquela cabeça perturbada) culpar o pobre do Bush por «[g]uerras, furacões, as temperaturas médias do planeta, bancarrotas bancárias - tudo, sem excepção». Conviria relembrar que Bush, sendo o presidente da maior potência mundial, a única superpotência (na altura até havia referência a hiperpotência), teria certamente responsabilidades no que se passasse à sua volta. E dessas culpas, analisemos: as guerras foram por ele iniciadas. Creio não haver contestação. Ninguém o culpou pelos furacões, antes pela resposta inacreditavelmente ridícula a um deles. As temperaturas médias do planeta já vinhama subir, culpa de todo o mundo. O que Bush fez foi ignorar o assunto para proteger os amigos que o financiaram. Nalguns lados isto poderia ser chamado de corrupção. Das bancarrotas bancárias, a bem dizer, foi responsável. Houve uma, do Lehmann Brothers. Buhs e a sua administração decidiram deixá-lo cair. Foi, portanto, responsável.

Pelo meio deste texto inacreditavelmente estúpido (ou a fazer os leitores de estúpidos), ainda diz:

«não é fácil imaginar alguém mais adequado para o papel de bode expiatório universal. Sem brilho e sem eloquência, incapaz de argumentar para além das frases prontas-a-dizer, parece, no entanto, ter sido capaz de se impor aos seus conselheiros e de decidir entre pontos de visto opostos. Foi assim fácil submetê-lo, ao mesmo tempo, a todo o menosprezo e a todas as responsabilidades»

entrando no ridículo de dizer que é capaz de se impor aos conselheiros (como Cheney?, e não se riu ao escrever isto?) mas deixa-se submeter aos menosprezo e às responsabilidades.

Rui Ramos não tem vindo a acertar uma. A azia da vitória (que já era previsível) de Obama deve-lhe estar a fazer mal ao cérebro. Este texto vem demonstrar que Rui Ramos não só é incapaz de não escolher um lado como também é incapaz da mais básica objectividade. Espera-se pela hagiografia de Bush, onde será colocado lado a lado com Lincoln no panteão americano. E Rui Ramos será o apóstolo.

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