sexta-feira, 8 de agosto de 2008

A reinvenção da realidade


Vítor Constâncio falou há tempos em relançar o nuclear e logo depois surgiu um artigo de Ribeiro e Castro a apoiar. Nesse artigo, Ribeiro e Castro falava no aumento do preço do petróleo que, vaticinava, chegaria aos 200 dólares [desceu entretanto para a casa dos 120]. Também dizia que, se por alturas de 2001/02 se tivesse avançado para o nuclear, viveríamos desafogados com umas quantas centrais que nos resolveriam o problema energético. Claro que o facto de uma central nuclear levar uns bons anos a ser construída, isto sem falar em projectos, escolha de terrenos, testes de segurança, ligação à rede pública, etc, lhe passa ao lado. Constâncio quer, Ribeiro e Castro sonha, a Obra nasce, dir-se-ia nesta versão Deus ex-Machina.

Ora ontem, queixando-se do silêncio sobre o assunto, José Manuel Fernandes, o sub-educador das massas (a seguir a José Pacheco Pereira), se queixava do «desconhecimento do problema» por parte de muitos que «sentenciar[iam] sobre a inevitabilidade de vermos nascer reactores nucleares em série, ou então fala[riam] do tema como se de um tabu se tratasse». E isto faria sentido, não fosse ele disparar este chorrilho de inanidades mais à frente:

«Praticamente toda a energia que consumimos tem origem em apenas duas fontes: o Sol e o nuclear.
Há vento, há ondas, há chuva, há rios, há centrais fotovoltaicas porque há Sol, porque é a sua energia que provoca a evaporação da água, a formação de nuvens, os sistemas de altas e baixas pressões que fazem circular as massas de ar e por aí adiante. Mais: existem energias fósseis (tal como existem biocombustíveis) porque as plantas são capazes de transformar a energia solar em matéria orgânica. Os combustíveis fósseis são o resultado da acumulação, ao longo de milhões de anos, de energia solar sob a forma de biomassa. Os biocombustíveis apenas aceleram este processo.
Se excluirmos fontes de energia pouco relevantes como a geotérmica, a outra forma de produzirmos energia é através da transformação directa da matéria em energia de acordo com a famosa fórmula de Einstein, E=MC2. Sob processos muito diferentes, é isso que acontece no Sol ou no coração de uma central nuclear»

E consegue dizer isto sem referir que não faz a mínima ideia do que diz nem que está a brincar, o que é espantoso. Dizer que há duas fontes: «o Sol e o nuclear» é o mesmo que dizer que os Açores ficam no meio do mar e da água. O Sol é essencialmente uma fornalha nuclear meu caro JMF. Se não sabe vá aprender que ainda tem tempo. Além desta asneira, ignora o facto de a energia hidroeléctrica, por exemplo, nada ter a ver com o Sol nem o nuclear, antes com a gravidade. Aliás, até o Sol o tem, mas isso é assunto demasiado complicado para JMF. Depois junta neste assunto a energia das marés, as quais são devidas à Lua, coisa que se sabe desde a primária. Parece que JMF não sabe mais que um miúdo de 10 anos.

Ainda assim, o engraçado é que, depois de tanto tempo a falar em sol, vento, marés, JMF decide ignorar completamente as energias renováveis e avança antes para o nuclear, juntando-lhe logo a fórmulazinha de Einstein para caucionar a diatribe. No fim ainda se dá o luxo de misturar a fissão nuclear (usada nas centrais nucleares existentes) e a fusão nuclear (mecanismo dominante nas estrelas), dois mecanismos diametralmente opostos.

Claro que JMF sabe que tem de falar dos problemas, não escapando à questão da insustentabilidade económica, dos resíduos, do fecho das centrais, da segurança, etc. Isto, a meu ver, já me parecem razões suficientes para não se avançar nesta direcção mas permitam-me falar de outra: o esgotamento das reservas de urânio-235. O facto é que, ao ritmo de produção actual, as reservas durarão para cerca de 80 anos. Note-se, ao ritmo de produção actual, algo que JMF quer aumentar dramaticamente. Ou seja, a disponibilidade deste combustível poderia acabar antes de alguns reactores estarem concluídos, caso se apostasse em força no nuclear por todo o mundo.

No fim, o sempre liberal JMF diz «muitos desses saltos tecnológicos ocorreram porque homens e mulheres criativos, porventura sonhadores, imaginaram o impossível e mudaram o mundo a partir de empresas que muitas vezes nasceram em improváveis oficinas e ainda mais improváveis garagens. Não se lhes limite a capacidade de inovar, pois mais depressa virá daí a revolução de que necessitamos do que dos grandes programas estatais em desenvolvimento um pouco por todo o mundo». Pena que isto surja num artigo em que propõe o aumento da energia nuclear, a qual necessita de um forte investimento estatal e que nunca avançaria sem o mesmo.

Por outro lado, tanta referência à inovação e completa ignorância sobre a mesma no campo das energias verdadeiramente renováveis. Ainda há 3 semanas, a revista Economist fez sair um Special Report sobre o futuro da energia. Nele falava-se de vento, sol, hidrogénio, geotérmica e, marginalmente, na ressurgência do nuclear, entre outros assuntos. Também se falava na mudança de paradigma na energia, com um conceito mais ligado às múltiplas fontes e à integração energética, deixando de existir apenas produtores e consumidores, com as fronteiras a serem esbatidas até quase desaparecerem. Aconselharia JMF a colocar os olhos neste trabalho e a pensar um pouco mais nas asneiras pseudo-liberais que vai dizendo.

O mesmo diria, mas de outra forma, a Tomás Vasques. Como o Tomás é inteligente e se informa, apenas chamo a atenção para estes dados. Talvez a frase final dele neste post, «Daí [dos Descobrimentos] para cá, nunca mais inventámos a realidade. Ficamos atarefadamente de braços cruzados à espera que a realidade nos invente» possa ser mantida, mas referindo as renováveis. É que se há coisa que o nuclear não permite é inventar a realidade. Esperar por ele é manter os braços cruzados.

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