quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Um subprime de confiança


Confesso que não sou especialista em mercados financeiros, nunca li Adam Smith e Hayek para mim só a Salma. Ainda assim, ao ver a crise nos mercados financeiros americanos, fico com a mesma sensação que (quase) toda a gente neste mundo: deixados aos seus próprios desejos, os operadores financeiros seriam capazes de arrastar o planeta económico para o abismo.

Hoje, ao ler o Rui Ramos (RR) na sua coluna semanal no Público e o editorial do José Manuel Fernandes (JMF), dois baluartes do liberalismo económico no país, só posso horrorizar-me. Se um diz mata, o outro diz esfola. RR faz passar a tese de que a melhoria das condições económicas no mundo só surgiram precisamente porque os bancos puderam aplicar as práticas de subprime agressivas que provocaram esta crise. Ou seja: a crise, no fundo, foi provocada por todos nós, que beneficiámos do crédito barato. Depois diz, e JMF concorda, que a intervenção da Reserva Federal americana foi um mau sinal, foi intervencionismo estatal que só vem prejudicar os mecanismos de auto-regulação que o sacrossanto mercado aparentemente possuirá.

JMF diz mesmo no fim «a passagem por um processo de falências, fusões e reestruturações poderá ser saudável se, no fim, se melhorarem as práticas de gestão e nunca faltar liquidez para o mais importante: continuar a emprestar dinheiro às empresas ou indivíduos que têm projectos sólidos, inovadores e geradores de riqueza», como se deixar o mercado entregue a si mesmo permitisse a cura de todos os males, qual lagartixa a que cresce nova cauda.

Isto até talvez seja verdade. Sinceramente que não sei. Mas também não me faz qualquer diferença que o seja ou não. Não são as «empresas ou indivíduos que têm projectos sólidos, inovadores e geradores de riqueza» que são prejudicadas. São antes os clientes e pequenos accionistas das outras empresas, as Lehman Brothers e os AIG's que vão sofrer, antes e depois. São aqueles clientes que, não recebem bónus da empresa onde trabalham, apresente esta lucros ou não. São os clientes que, todos os dias, produzem algo para lá de dinheiro. São os clientes que vão perder as suas casas e as suas poupanças e que vão ser traídos pelas instituições em que confiaram.

Tanto quanto vejo o crédito, este surge como dando um adiantamento financeiro a pessoas que trabalharão a produzir produtos, algo de necessário à sociedade. Estas pessoas, com o seu trabalho, pagam depois esse adiantamento, com um extra para compensar quem emprestou. Até aqui tudo bem. Não foi por aqui que o sistema caiu. O sistema caiu porque as instituições de crédito decidem depois jogar ao monopólio, investindo o dinheiro que têm e que foi depositado por outras pessoas e o dinheiro que não têm, que esperam vir a receber no futuro das pessoas a quem emprestaram dinheiro. Isto sim, causou o colapso. E aqui não têm as pessoas beneficiárias de crédito a mais pequena responsabilidade.

Comenta RR no fim da crónica: «E se este mundo, desigual e inviável, tivesse sido o melhor mundo possível para a maioria de nós? Não, caro leitor, este mundo não era o "deles", era o nosso, era o seu. Não pergunte por quem os sinos dobram». Ao puxar este argumento, RR relembra a fábula do escorpião e do sapo. Nós somos o sapo. "eles" são o escorpião. Infelizmente, "eles" safam-se no fim. Nós somos os únicos envenenados e afogados. O nosso crime? A confiança.

1 comentário:

Goncalo disse...

Eu nem sequer me considero propriamente um liberal em matéria económica, mas não me parece errado que se "deixem cair" bancos e outras instituições financeiras que parecem actuar de forma irresponsável. Tirando o Lehman Brothers, foram encontradas soluções, ao nível da FED, para segurar bancos e seguradoras em risco. O sinal que se dá é o de que haverá sempre quem apare quem se dedica a uma certa "economia de casino", para além de que os prejudicados acabarão por ser todos aqueles que, embora indirectamente, têm uma ligação a este mundo financeiro, através dos aumentos dos juros dos empréstimos à habitação, por exemplo.