quarta-feira, 22 de outubro de 2008

O celeiro estatal


Com isto da crise, surgem os que se vangloriam da derrocada do capitalismo mas também aqueles que vêm defender o liberalismo e o modo de vida capitalista que, dizem nos sustentou o crescimento nas últimas décadas. Um deles, o mais ruidoso, na minha opinião, é Rui Ramos, que escreve no Público às quartas (ie, hoje).

Quanto ao sustento do modo de vida capitalista, ler este post do João Pinto e Castro que sabe muito mais destas coisas que eu e justifica habitualmente os seus textos (até escreve no Jornal Económico, isto há-de ter o seu valor).

Mas o engraçado é o texto de Rui Ramos. Ele tem andado a insistir na mesma tecla, crónica após crónica (está visto que não é pago de acordo com a originalidade), desde há uns dois meses para cá: o capitalismo sustentou o nosso modo de vida (graças ao endividamento) e só temos que agradecer por isso e isto são percalços que nós, por termos sido beneficiários, teremos agora que sofrer na pele (como se não o soubéssemos). Hoje, no entanto, mudo o disco um tudo nada ao falar na Islândia e estabelecer uma comparação com o nosso país.

Grosso modo, diz Rui Ramos que não nos devemos rir da Islândia porque, se este país está a sofrer mais com a crise financeira, é porque também beneficiou muito mais anteriormente. Se Portugal não é muito prejudicado é apenas porque não soubemos cavalgar a onda anterior e prosperar com ela.

Para além do ridículo de usar os exemplos do Burkina Faso para sustentar a tese (eu poderia usar o exemplo chinês, mas creio que seria acusado de desonestidade intelectual), o Rui Ramos tenta reduzi-la aos extremos. Isto é, é mau, mas não fazer aquilo seria bem pior. Ou seja, é o mesmo que dizer que comer comida fora do prazo à bruta pode dar uns problemas de estômago de tempos a tempos, mas não comer nada é pior. O problema desta argumentação é que finge ignorar que há quem tenha alimentação saudável. No caso dos mercados, que se poderiam ter tido outros cuidados. Não se advoga o fim dos mercados (há quem o faça, mas esqueçamos por momentos a Soeiro Pereira Gomes), antes que estes sejam mais equilibrados.

Por outro lado, esta argumentação foca-se tanto no longo prazo que finge que o curto prazo não interessa. Sem dúvida que o sistema até pode ir permitindo o crescimento económico, mas se isso suceder à custa de sofrimento profundo nos períodos de convulsões (que os liberais afirmam serem inevitáveis e que não devem ser tocados), penso que não vale a pena. O luxo passado e futuro não fazem esquecer a miséria actual. Dá a ideia de um país onde a produção de cereais é frequentemente abundante mas onde, num período de três anos consecutivos, decresce brutalmente. Antes e depois dos três anos há abundância. Durante os mesmos há fome e malnutrição.

A receita neoliberal é equivalente a dizer que a malnutrição é um mal necessário. Pessoalmente penso que é obrigação do Estado abrir as portas do celeiro para matar a fome aos seus cidadãos.

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